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O RIO (Fragmento) – Octavio Paz
Na concepção de Octavio Paz, entre outros conceitos, a poesia é “a busca de identidade da natureza humana na multiplicidade de signos”. Assim, exerce o ministério de sua obra, diga-se, de grandeza imensurável e universal. (Publicação – acadêmica Maria Estela Meira Villani)
O RIO (Fragmento) – Octavio Paz
A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona, não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás contemplam o que escrevo, não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem fim, tampouco muro que saltar, é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito é indizível, torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal negro, um reino cego, Não, deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras uma espiga, um repuxo de sóis, e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba em onda e a onda rompa o dique, esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um bosque de palavras enlaçadas, Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem ninguém exceto o sangue, nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito e repetir a mesma palavra na metade do poema, sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem e não diz nada e me leva consigo.
(Trad. Haroldo de Campos)
acadêmica Maria Estela Meira Villani)
(Trad. Haroldo de Campos)
Anna Bemvinda: uma santista na abolição
Texto: Acadêmica Wilma Therezinha Fernandes de Andrade
Mestra e Doutora em História Social
Titular da Cadeira nº 39 – Patrona Bertha Lutz
Na rica história de Santos, um dos destaques é a campanha abolicionista. No início do século XIX, por exemplo, a família dos Andradas deu provas da ação libertadora. José Bonifácio de Andrada e Silva, em Santos, no sítio dos Outeirinhos, em 1821, só empregava assalariados.
Um santista, Antonio Manuel da Silva Bueno, teve atuação política e relacionava-se com os Andradas. Quando da crise da Independência, a partir de 1821, o Brasil, integrante do Reino Unido de Portugal e Algarve, devia mandar deputados para as Cortes de Lisboa, para elaborar a Constituição: foram Antonio Carlos Ribeiro Machado de Andrada e Silva (irmão de José Bonifácio), Silva Bueno, Diogo Antonio Feijó, José Feliciano Fernandes Pinheiro (Visconde de São Leopoldo) e Nicolau de Campos Vergueiro. Em Lisboa, os brasileiros, hostilizados, refugiaram-se na Inglaterra, onde justificaram sua retirada das Cortes, em 1822.
Silva Bueno casou-se com D. Anna Margarida da Graça Martins, que foram pais de Anna Bemvinda da Silva Bueno, nascida em dezembro de 1832, na Vila de Santos, sendo o pai vereador da Câmara Municipal de Santos (1829-1932). Ele faleceu anos depois, deixando a filha órfã antes dos seis anos. Aos 11 ou 12 anos, a menina foi morar em São Paulo, para onde se mudara sua família.
Casou-se com Martim Francisco Ribeiro de Andrada II (1825-1886), sobrinho de José Bonifácio, o Patriarca. O marido teve brilhante carreira acadêmica e política, como ministro e conselheiro do Império.
O casal teve seis filhos: 1º Martim Francisco Ribeiro de Andrada, III; 2º Antonio Manuel Bueno de Andrada; 3º José Bonifácio Bueno de Andrada, o Moço; 4º D. Gabriela de Andrada Dias de Mesquita; 5º D. Anna Margarida de Andrada; 6º D. Maria Flora de Andrada. Todos tiveram vidas significativas na história. Cite-se a filha, Anna Margarida que se casou com Antonio Silva Jardim, que trabalhou em Santos, participante da campanha republicana e abolicionista, amigo de Quintino de Lacerda, chefe do quilombo do Jabaquara.
Em São Paulo, o casal Martim Francisco e Anna Bemvinda organizou, em 1870, a primeira sociedade feminina para a “liberdade de escravas moças”. Interessante o depoimento feito por Antônio Manuel Bueno de Andrada, seu filho, em 1926, para o jornal O Estado de S. Paulo, 38 anos depois da Lei Áurea.
“Minha mãe, D. Anna Bemvinda Bueno de Andrada, foi escolhida para a presidir. Alistaram-se numerosas sócias. A Associação, que se denominava A EMANCIPADORA, redimiu muitas raparigas, algumas se casaram, constituíram famílias, que vivem hoje prósperas”. Relata, ainda, o filho de Anna Bemvinda, encarregado menino da cobrança das mensalidades: “Recordo-me que auxiliaram com entusiasmo A EMANCIPADORA, desde o início, Ferreira de Menezes e Salvador de Mendonça, ao tempo redatores do IPIRANGA, órgão do Partido Liberal Paulista, e também o então estudante Aureliano de Oliveira Coutinho”.
O exemplo de Anna como ativista da causa da Abolição frutificou. Outras sociedades, clubes abolicionistas foram criados, alguns em Santos, com o apoio de mulheres como D. Francisca Amália de Assis Faria, que manteve um quilombo no quintal de sua casa.
Anna Bemvinda assumiu a tendência liberal que modernizava a sociedade brasileira e agiu no sentido de resolver a mais séria questão brasileira do século XIX: a escravidão.
Fontes e Bibliografia
ANDRADA, Antonio Manuel Bueno de. Entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, 1926.
ARQUIVO da Cúria Diocesana de Santos. Registro de batismos. Livro nº. 3, 1832.
AZEVEDO, Yedda Burgos Martins de (org.). Brasil – 500 anos – Mulher. Anna Bemvinda, precursora abolicionista, de Wilma Therezinha de Andrade. Itu: Ottoni, 2000.
PINHO, Wanderley. Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Martins [sd] ilust.
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. 1532-1937. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1937, 1º. vol. ilust.
Artigo publicado na Revista Santos Arte e Cultura – Ano VIII Vol.48 – Dezembro/2014.
Foto de Anna Bemvinda: Revista “Santos Arte e Cultura” – dezembro/2014.
Reprodução autorizada pela autora, em 10 de abril de 2016.
Criação artística: Acadêmica Mercedes Lisbôa Sutilo – Titular da Cadeira número 26.
No reino das palavras
ideiafix Rodas de conversa post, primeiro
Não chegou, madre, o meu amigo,
E oje est o prazo saido!
Ai, madre, moiro d’ amor!
São versos escritos em português arcaico (séculos XII, XIII e meados do século XIV), que difere do português moderno. Essas mudanças ocorrem, porque a língua, influenciada pela cultura e pela fala, está em constante movimento. Como todo organismo vivo, ela é dinâmica, evolui, transforma-se. Nesse processo, algumas palavras e expressões que eram empregadas por nossos avós caíram em desuso. São os arcaísmos. Vejamos um exemplo.
Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles, todas muito prendadas. Os janotas arrastavam-lhe a asa e, se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalinho da chuva e ir pregar em outra freguesia. Alguns se metiam em camisa de onze varas e davam com os burros n’água.
Além dos arcaísmos, praticamente fora de circulação, existem outras palavras que jazem esquecidas nos dicionários, pelo menos na linguagem corrente. Foram muito empregadas pelos poetas parnasianos, que gostavam de palavras pomposas, rebuscadas, para eles joias preciosas. Usavam rútilo no lugar de brilhante, tálamo no lugar de cama ou leito conjugal, mansarda no lugar de sótão ou de casa miserável, blandícias no lugar de meiguice; gilvaz no lugar de cicatriz e por aí vai. Cautela no emprego dessas palavras: perguntar para alguém com uma cicatriz se sente pruridos no gilvaz pode ser perigoso… Se algumas palavras e expressões caíram em desuso, há outras de que se deve tomar conhecimento para adequarmos a linguagem ao nosso tempo. Nada evidencia mais a idade de uma pessoa do que termos do passado. Assim, convém registrar que vitrola virou som e micro system; anúncio ou reclame, publicidade; fita de cinema, filme; retratos, fotos; dificuldade, desafio; folhinha, calendário; japona, jaqueta; guarda-livros, contador; ficha, cartão telefônico.
Cumpre ainda ficarmos atentos às novas palavras que surgem a todo momento, de acordo com as necessidades e que contribuem para robustecer o vocabulário da língua portuguesa, ampliando o nosso acervo léxico. Relacionam-se principalmente à ciência e à tecnologia dos tempos modernos: genoma, efeito estufa, titular uma solução (Química), web, download, realidade virtual, inclusão digital, multimídia, inicializar, twitar, internauta, entre outras.
Além do estudo da evolução das palavras, consideremos a outra face que essas apresentam: elas são capazes de nos encaminhar para o mundo de sugestões, a fim de explorarmos as imagens sensoriais que evocam. Revestem-se de cor, som, cheiro, sabor para traduzirem as impressões colhidas em contato com o mundo físico. Nesse sentido, o escritor mineiro Bartolomeu Campos Queirós afirma que aço é palavra fria, que sombra é uma palavra deitada e que pássaro se escreve com dois ss, porque é no encontro das duas consoantes que se dá o movimento das asas.
Feitas essas considerações referentes ao reino das palavras, podemos dizer que quanto mais variado e ativo for o vocabulário disponível, mais aptos estaremos para a tarefa vital da comunicação.