O RIO (Fragmento) – Octavio Paz
Na concepção de Octavio Paz, entre outros conceitos, a poesia é “a busca de identidade da natureza humana na multiplicidade de signos”. Assim, exerce o ministério de sua obra, diga-se, de grandeza imensurável e universal. (Publicação – acadêmica Maria Estela Meira Villani)
O RIO (Fragmento) – Octavio Paz
A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona, não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás contemplam o que escrevo, não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem fim, tampouco muro que saltar, é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o não dito é indizível, torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal negro, um reino cego, Não, deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras uma espiga, um repuxo de sóis, e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a maré suba em onda e a onda rompa o dique, esperar até que o papel se cubra de astros e seja o poema um bosque de palavras enlaçadas, Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem ninguém exceto o sangue, nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito e repetir a mesma palavra na metade do poema, sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem e não diz nada e me leva consigo.
(Trad. Haroldo de Campos)
acadêmica Maria Estela Meira Villani)
(Trad. Haroldo de Campos)